As causas da inflação atual?
O artigo que se apresenta poderá servir de base para discussão, em sala de aula de Economia A, sobre esta temática tal atual e que não deixa ninguém indiferente.
Trata-se de um artigo de opinião, recolhido do jornal digital “Dinheiro Vivo” de 27/08/2022.
“As causas da inflação atual?”
“Correspondendo ao aumento generalizado dos preços, a inflação equivale a receber um cabaz de bens e serviços cada vez menor pelo mesmo dinheiro. Não podemos, pois, confundir o nível dos preços com a taxa de crescimento dos preços a que se refere a inflação.
Nos anos 60, Milton Friedman, Prémio Nobel da Economia, disse-nos que a inflação decorre da desproporção entre a quantidade de dinheiro existente e a quantidade requerida pela economia real. Afirmou, então, que “a inflação é sempre e em todo o lado um fenómeno monetário”, que surge na sequência de um aumento mais rápido da quantidade de dinheiro do que da quantidade de bens e serviços produzidos.
Subjacente ao pensamento de Milton Friedman está a “teoria quantitativa da moeda”, segundo a qual a inflação é causada pela impressão de demasiado dinheiro. Friedman fundamenta a teoria numa identidade contabilística que relaciona, por um lado, a quantidade de dinheiro M e a velocidade de circulação V e, por outro lado, o nível médio de preços P e um índice do valor real de todas as transações que, por simplificação, se supõe ser o Produto Interno Bruto Y; ou seja, MV=PY.
Considerando, como é expectável, que a trajetória do valor real das transações Y é semelhante à da velocidade de circulação V; i.e., que um aumento do valor das transações gera um aumento análogo da velocidade de circulação de moeda, então um aumento da quantidade de dinheiro M terá de provocar um aumento do nível médio de preços P para manter a igualdade MV=PT.
Sendo assim, a “culpa primeira” para a inflação atual foi o desgoverno de alguns governos e a política monetária seguida pelos bancos centrais. Os primeiros por apresentarem défices e os segundos por aceitarem trocar títulos de dívida por dinheiro (novo).
É verdade que “a gota de água que fez transbordar o copo” foram os problemas criados pela pandemia, pelas alterações climáticas (nomeadamente a seca) e pela guerra imposta pela Rússia à Ucrânia. A pandemia provocou disrupção das cadeias de abastecimento com impacto nos preços enquanto as cadeias não normalizam. As alterações climáticas e a guerra afetaram positivamente o preço dos cereais e de outros produtos alimentares. E a guerra afetou ainda o preço da energia.
Mas, mesmo que nenhum destes fenómenos tivesse ocorrido, mais cedo ou mais tarde, haveria inflação porque é “sempre e em todo o lado um fenómeno monetário” e estava, portanto, a ser “cozinhada” pela ação de alguns governos e bancos centrais. Sem o comportamento desses governos e bancos centrais, a inflação provocada pelos fenómenos relatados – pandemia, alterações climáticas e guerra – seria meramente temporária e não teria a gravidade que apresenta.
Outra causa que ajudou a transbordar o copo foi a desvalorização do euro face ao dólar, muito motivada pela rápida reação do banco central americano que, ao subir as taxas de juro, atraiu capitais para os Estados Unidos em busca de maior remuneração e, porque, em momentos de maior incerteza, o dólar continua a ser a moeda internacional preferida. Como o comércio internacional extra-UE é maioritariamente realizado em dólares, quando este valoriza, mesmo que não haja problema nenhum, o preço em euros dos bens e serviços importados sobe.«
Depois há ainda quem atribua a escalada da inflação atual a (três) outras causas, mas que, creio, pelo menos no contexto atual, devem ser relativizadas.
1. Uma das causas adicionais baseia-se na “espiral salários-preços”. Supostamente, o aumento dos preços faz com que os trabalhadores exijam salários mais altos e, consequentemente, as empresas cobram preços ainda mais altos, gerando-se um ciclo de feedback positivo. Mas, a meu ver, esta explicação tem dois defeitos: um conceptual e outro factual. Conceptualmente, porque não faz sentido que os salários excedam a produtividade dos trabalhadores: as empresas não podem pagar aos trabalhadores mais do que o valor que acrescentam ao resultado final da empresa. Factualmente, a inflação atual já ultrapassou o crescimento dos salários durante meses e, consequentemente, os trabalhadores têm sofrido um corte salarial, impondo-se, assim, a pergunta: onde está a “espiral salários-preços”?
2. Depois há ainda quem atribua a inflação às “empresas gananciosas”. Mas não consigo compreender como a ganância causa a inflação. Se assim fosse haveria sempre inflação porque faz parte da natureza das empresas desejarem sempre mais e mais lucros – nesse sentido, faz, pois, parte da sua natureza serem gananciosas! Porém, se nem os monopólios têm poder ilimitado, muito menos poder têm outras estruturas de mercado – por exemplo, os oligopólios, a concorrência monopolística ou a concorrência perfeita. Segundo esta explicação, os lucros são uma crueldade. Na verdade, porém, os lucros são virtuosos porque são cruciais para o investimento e, portanto, para o crescimento económico e o bem-estar social.
3. Em linha com o argumento anterior, há também quem considere que a inflação se deve ao “poder do mercado” das empresas; i.e., à sua capacidade para cobrar preços superiores aos custos marginais. Os defensores desta explicação apontam para uma maior concentração em várias indústrias ao longo dos dois últimos anos, mas a ligação entre a concentração e o poder de mercado é fraca. Mesmo que o poder de mercado permitisse às empresas aumentar os preços, seria um acontecimento único, pelo que a inflação aumentaria temporariamente e voltaria à tendência.
Tendo em conta as anteriores causas 2 e 3, curiosa é a lata da “maior empresa”, o governo, que sendo monopolista na cobrança de impostos, é quem mais beneficia com a inflação devido aos “lucros” extraordinários (i.e., ao excedente de impostos) que angaria. Em Portugal, esta “grande empresa” apresenta-se atualmente como a mais gananciosa de todas e também como a socialmente menos sensível, mesmo sabendo que está a beneficiar de um problema que ajudou a causar sempre que trocou título de dívida por euros no Banco Central Europeu. Já agora, uma nota. Como, no contexto europeu, é tão diferente o ponto de vista decente alemão segundo o qual “o Estado não deve enriquecer com a inflação à custa dos contribuintes” (Lindner, Ministros Finanças Alemão).
Com esta crónica, espero ter contribuído para que, no contexto atual, estas (três) últimas explicações passem a ser relativizadas, de modo que haja concentração política no que é realmente importante: a abundância de dinheiro comparativamente com os bens e serviços produzidos.
Não digo que a inflação é completa e exclusivamente explicada pela oferta de dinheiro. Naturalmente que a pandemia, as alterações climáticas e a guerra são parte do problema, mas devemos distinguir fatores monetários com impacto duradouro de fatores não-monetários com efeito temporário.”
Fonte: https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/as-causas-da-inflacao-atual-15116890.html